SE DEUS CRIOU TUDO O QUE EXISTE,
ELE CRIOU O MAL?
“O paradoxo de Epicuro”
Epicuro foi um filósofo grego do período helenístico.
Contudo, sobre ele, basta para nós o chamado “paradoxo de Epicuro”. Nesta
construção lógica, ele retoma as três características divinas: onipotente,
onisciente e benevolente, ou seja, a pergunta fundamental que o dilema propõe
é: como pode Deus ser todo-poderoso (onipotente), saber de tudo (onisciente) e
ser fonte de todo o bem (benevolente) se o mal existe? Ora:
§ Enquanto onisciente e onipotente Deus teria conhecimento
de todo o mal e poderia acabar com ele. Sendo assim, não é benevolente.
§ Enquanto onipotente e benevolente, Deus teria o poder
para acabar com o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Se não o faz, pois não sabe o
quanto mal existe e onde o mal está, então não é onisciente.
§ Enquanto onisciente e benevolente, Deus sabe de todo
o mal que existe e quer mudá-lo. Se não o faz, então não é onipotente.
Conforme a elaboração de P. Ricoeur há mitos que
interpretam o mal. Assim, há os mitos que colocam o mal antes da criação,
identificando-o com o caos primitivo que deve ser vencido pelo Criador; há
também os mitos que colocam o mal posterior à criação, sendo ele apresentado
como consequência da desobediência do ser humano ao plano do Criador; depois, a
tragédia grega que ambienta a não
existência de uma real libertação do mal, pois este, na forma de destino, é
inevitável e inexorável; Por fim, há outros mitos colocam a origem do mal na
situação da alma exilada e prisioneira da matéria (corpo).
Santo Agostinho definiu o mal como a “privação do
bem” (privatio boni), ao passo que
Santo Anselmo o declara como a “ausência de um bem devido” (absentia debiti boni), e, Santo Tomás de
Aquino como a “privação de um bem particular” (alicuius particularis boni privatio).
Sendo assim, na tradição cristã, há diferenciação
entre o MAL NATURAL, que independe da liberdade humana; e o MAL MORAL, que se
trata do mau uso da liberdade, isto é, o pecado propriamente dito.
O fato é que o mal existe: basta assistir a meia
hora de telejornal. Contudo, o que dizer sobre ele? Como refutar o paradoxo de
Epicuro?
A raiz do pecado está no coração humano, já garante
o Catecismo da Igreja Católica (cf. § 1873). Desse modo, o mal moral acontece
pela livre escolha em rejeitar a vontade divina. O próprio Catecismo afirma que
a verdadeira liberdade é, no homem, o sinal privilegiado da imagem de Deus (cf.
§ 1712).
“Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu
bem último, que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre
o bem e o mal, portanto, de crescer em perfeição ou de definhar e pecar. Ela
caracteriza os atos propriamente humanos. Toma-se fonte de louvor ou
repreensão, de mérito ou demérito.” (cf. § 1732).
Confirma-se, desse modo, o que propuseram os autores
clássicos supracitados (Agostinho, Anselmo e Tomás). Ora, a lei natural está
cravada na alma de todas as pessoas, por isso, todos sabem o que é certo e
errado, independente de religião. Fazer o contrário do que acusa a consciência
(deixando de lado a discussão acerca de condições patológicas), leva à
efetivação do mal, isto é, a ausência do bem.
Nesse sentido, Rubio, em sua obra intitulada Unidade na pluralidade, ao tratar do
mal, parte da ideia de que ele é uma desumanização do próprio homem. E de fato
o é, pois, quando o homem deixa de cumprir aquilo para o qual foi criado,
comete o pecado, ou seja, o cede ao mal.
O paradoxo de Epicuro deixa de valer quando
compreendemos que Deus continua sendo Deus; o problema é a nossa insistência em
viver na autossuficiência, a ponto de negar as maravilhas que ele nos reserva.
Em resumo: na concepção agostiniana, o mal não é um
ser, mas privação do ser, assim como o escuro é apenas a ausência de luz.
Portanto, o mal moral veio ao mundo pelo pecado original.Além do mais, é mais “glorioso”
para Deus tirar o bem do mal, em sua providência, do que não permitir o mal;
não que ele precise disso, é claro!
Comentários
Postar um comentário