FÉ E SABER: O RELATIVISMO COMO FONTE DA POLARIZAÇÃO RELIGIOSA
Artigo para a I Jornada de Estudos do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão
Preto, para o curso de Filosofia.Orientador:
Prof. Me. Sinval da Silva Junior.
Há constante debate mundial acerca da laicidade
de estado, desde a França, com a proibição do uso do véu, a Alemanha com a
proibição de freiras de usarem hábito, e também no Brasil, onde frequentemente
é discutida a presença de crucifixos em repartições públicas. Aqui entendemos o
que Habermas chama de processo de secularização moderno, isto é, a “emancipação
da esfera mundana em relação ao domínio religioso” (KNAPP, 2011, p. 180) que
provoca o enfraquecimento da Igreja, e consequentemente, a transferência dos
bens de propriedade da Igreja para o Estado.
Conforme o autor Habermas (2013), no entanto,
um fato importante para refletirmos acerca do tema fé e saber foi o atentado de 11 de setembro, resultado de um fundamentalismo islâmico, e muito
conhecido pela colisão de dois aviões contra as Torres Gêmeas do complexo
empresarial do World Trade Center, na cidade de Nova Iorque. A partir daí temos
muito o que refletir, afinal, Kelm (2017, p. 37) destaca que “quando os símbolos
que compõem uma expressão religiosa são absolutizados, cria-se um estado de
rupturas, de desintegração existencial”.
Em suma, isto mostra-nos que, “mesmo no mundo
globalizado, embora haja toda secularização, a religião permanece um poder
significativo e oferece um potencial violento de motivação” (KNAPP, 2011, p.
181). Para ilustrar com fatos, basta olhar os noticiários: grande polarização
entre grupos tradicionalistas e grupos progressistas. Além disso, a grande
influência da chamada bancada evangélica no Congresso Nacional. Desse modo,
portanto, cabe-nos questionar: o que esta polarização quer dizer na sociedade
tal qual vivemos?
Antes de mais nada, chamamos aqui de
polarização toda e qualquer posição, atitude ou postura de extremidade
ideológica, isto é, a radicalização de um lado da história. Em senso comum: “ou
é oito, ou oitenta”. Em suma, se trata do oposto ao que o filósofo Aristóteles
chamava de equilíbrio ou justa medida. Acontece que a origem de toda
polarização, talvez esteja no pensamento de Protágoras (490 a.C. – 415 a.C.),
que desde a Grécia Antiga, pela sua formação sofista, cunhou a frase: “o homem
é a medida de todas as coisas”, que dá origem também, para o que chamamos hoje
de relativismo. Ora, o relativismo está inteiramente ligado à polarização.
Assim, as verdades são verdades se equivalem ao que eu penso, a razão tem razão
se for a minha razão, e assim por diante.
Assim é na política, quando a preocupação com
partidos e movimentos de direta e esquerda é tão grande que nos esquecemos que
o caminho é para frente, e não para os lados! A polarização se mostra nas
agressões, ofensas, e tudo derivado disto, porque nos transforma em pessoas
intolerantes, que trata os outros como objeto, que é facilmente rejeitado
porque não pensa da mesma forma que eu penso. Assim é também na religião em que
grupos fundamentalistas vivem em pé de guerra com grupos progressistas a ponto
de esquecerem a centralidade daquilo que professam para idolatrar
superficialidades vazias de espiritualidade. Schmidt chama esse fenômeno de um
problema geral que provoca o debate sobre religião:
Comecemos pelo problema que em geral provoca o debate sobre
religião. O adepto de uma fé religiosa reivindica a posse de verdades, que não
são acessíveis ao conhecimento empírico “normal”, quer no âmbito do mundo da
vida quer no das ciências. [...] (SCHMIDT, 2015, p. 426).
Outrossim, se queremos falar de polarização,
quer seja religiosa, quer seja política, é preciso também, falar da liberdade
de expressão cibernética, principal contribuinte, e, não raro, raiz da
crescente polarização, pois, é a principal fonte de manifestações de ódio e
preconceitos hodierna. É preciso, nesse sentido, um olhar crítico para a
realidade cibernética que nos cerca, bem como o olhar empático para com o
outro, o que chamamos de alteridade. Desse modo, seremos capazes de conciliar a
fé e o saber; a razão e a emoção; o progressismo e o tradicionalismo. Não
podemos fechar os olhos para as diferenças e viver no relativismo revestido de
fundamentalismo. Precisamos exercitar o acolhimento, o equilíbrio e a justa
medida, proposta por Aristóteles.
Portanto, lembremo-nos do dilema de Karl
Popper, o chamado “paradoxo da tolerância”, isto é, até que ponto, a tolerância
pode tolerar a intolerância? Não podemos nos calar. Não podemos nos fechar. A meta, como nos lembra Schmidt (2015), é de
um “diálogo com as religiões e entre as religiões” (p. 424).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HABERMAS,
J. Fé e saber. São Paulo: Unesp,
2013, p. 1-26.
PORTUGAL,
A. C. Bertrand Russell e o debate atual
sobre fé e razão. Síntese – Rev. de Filosofia v. 40 n. 128 (2013): 403-426.
SCHMIDT,
J. Teologia Filosófica e diálogo
religioso. Síntese – Rev. de Filosofia v. 42 n. 134 (2015): 423-441.
Você
sabe o que é Estado Laico? 05 de jun. de 2017. Disponível em: <https://www.politize.com.br/estado-laico-o-que-e/>.
Acesso em 21 de out. de 2020.
KNAPP,
Markus. Fé e saber em Jürgen Habermas:
a religião numa sociedade “pós-secular”. (Tradução de Arthur Grupillo). INTERAÇÕES
- Cultura e Comunidade / Uberlândia / v. 6 n. 10 / p. 179-192 / jul./dez. 2011.
Disponível em: < http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/article/view/6208>.
Acesso em 21 de out. de 2020.
KELM, Thiago Rafael Englert. A violência religiosa como consequência da absolutização dos símbolos sagrados: reflexões a partir de Paul Tillich. In: SANTOS, Altierez S.; LUCKNER, Rita C. S. (Orgs.). Encontro dos deuses: diálogos sobre violência religiosa e cultura de paz. Curitiba: Editora Prismas, 2017. 166p.
Fantástico....
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