Quando a vontade de viver vai embora
Este é o título de um livro, o qual
recomendo a leitura a todos os homens e mulheres de bem. E justamente pelo rico
conteúdo, peço licença aos autores (Christopher Marques, pastor; Thiago Faccini
Paro, padre) para fazer uso do mesmo título neste escrito a fim de levar todos
os leitores a uma melhor compreensão e conscientização e acerca do suicídio,
sobretudo neste mês de setembro, conhecido por “setembro amarelo”.
Para entendermos o processo de perda de
sentido de vida, a ponto de uma pessoa pensar (e, em casos extremos, executar)
em tirar a própria vida, é preciso que compreendamos um, dentre vários
aspectos atuais da sociedade tal qual vivemos.
Nossos autores utilizam-se do termo ditadura do sorriso, isto é, “a todo
instante é preciso estar em evidencia, ostentando felicidade” (MARQUES; PARO,
2019, p. 59). Ora, isso se dá, sobretudo, pelas redes sociais, em que uma
grande maioria de pessoas, publicam idealizações de vidas perfeitas; vidas que
não têm espaço para dor, tristeza, luto e desordem. Nesse ponto, a pandemia da
covid-19 trouxe à tona uma realidade de choque, ou seja, embora não haja
felicidade alguma em tantas mortes, desempregos e dissabores, a pandemia
revelou flagelos que a sociedade já vivia, contudo de modo velado, ou, por que
não dizer, ignorado.
No entanto, o que nos custa entender é
que, “frequentemente, num corpo cheio de vida existe uma alma cheia de dor” (MARQUES;
PARO, 2019, p. 45). Custa-nos pensar no sofrimento.
Para exemplificar sobre o luto, como dissemos, desde antes da pandemia já fazíamos esta negativa experiência que é
sofrer a perda de um ente querido. Se praticamos alguma religião, costumamos
ouvir que Deus, em tudo sabe o que faz. Contudo, não é por existir fé, crença
ou seguir qualquer tipo de seita que a nossa dor deva inexistir ou,
necessariamente, seja diminuída. Toda perda é dolorosa, mas, como diz o padre
Fábio de Melo: "a saudade eterniza a presença de quem se foi". Por
isso, para viver bem o luto, em primeiro lugar é preciso se permitir sentir o
vazio existencial, tendo em mente que os entes queridos podem ser eternizados
em nós, pela saudade saudável cingida de uma grata memória.
Viver o luto significa também chorar e sofrer... Mas, acima
de tudo, saber que não estaremos sozinhos nunca em nossas dores. Quando toda a dor passar (ou tornar suportável), vai ficar apenas a saudade saudável - e isto é importante - de quem se foi. Essa saudade vai
sempre fazer o peito apertar, mas a memória saudável que se mantém viva no coração vai nos dar forças para voltarmos a sorrir. Ademais, as palavras pouco ou nenhum
alívio trazem em momentos de grande dor, mas existe conforto em saber que há
amigos que se preocupam conosco e nos prestam total solidariedade. E, portanto,
essa experiência de viver a dor/sofrimento, não é caminho exclusivamente para se viver o
luto, mas sim, todo e qualquer tipo de flagelo ao longo da vida, como nos
lembra do Cardeal Tolentino:
Somos chamados a viver o dom de Deus, até o fim, na
fragilidade, na fraqueza, na tentação e na sede. Podem variar de gênero os
problemas que vivemos, podem mudar de frequência, ou de intensidade, mas
acompanhar-nos-ão sempre. As tentações vão existir sempre. O que muda, num
processo de maturação humana e espiritual, é a nossa maneira de acolhê-las, a
sabedoria de interpretá-las, a liberdade interior que desmente os
determinismos. Mas façamos um exercício de verdade para nós mesmos: é pelo
discernimento da natureza das tentações que compreendemos, muitas vezes, a
nossa singularidade, o real impacto da vida de Deus em nós, a nossa realidade
submersa e os seus dilemas e vestígios. (MENDONÇA, p. 97-98)
Por isso, a prevenção do suicídio é uma
via de mão dupla, isto é, exige que as pessoas que sofrem se abram para alguém
de confiança, ao passo que existam pessoas próximas dispostas a dar a confiança,
para que assim, façamos a experiência do encontro. Ora, parece contraditório
pensar que dentro das próprias famílias existem pessoas que não querem ouvir uns
aos outros, que fazem chacotas e piadas com as dores do familiar. Pior ainda
quando, dentro da própria família nasce a frase “depressão é frescura”. Triste
da pessoa que pensa assim! Falta-lhe humanidade.
Neste setembro amarelo de conscientização e prevenção ao suicídio, é importante que haja diálogo e que este, se estenda nas famílias, escolas e igrejas para o resto dos nossos dias, afinal como já pudemos objetivar, na sociedade hodierna é notável a crescente perda do sentido da vida.
Conforme a logoterapia de Viktor Frankl,
quando não podemos mudar as coisas e os outros, podemos mudar a nós mesmos, e
assim, vamos encontrando, aos poucos, o sentido pela realização de valores. Enfim, estejamos
atentos, porque, “se a perda do sentido não está em nós, pode estar em alguém
muito próximo a nós” (MARQUES; PARO, 2019, p. 91).
Que este mês de setembro seja um incentivo para todos nós nos tornarmos mais empáticos uns com os outros, a ponto de perceber a dor alheia. Do mesmo modo, que seja um mês conscientização e quebra de preconceitos para os que sofrem as dores da alma. E, acima de tudo, que o "setembro amarelo" seja um pontapé inicial para que sejamos homens e mulheres compromissados, ao longo de todo o ano, com a vida, com a arte do encontro e com maturação adquirida com as crises vitais necessárias. Façamos das dificuldades um recomeço; das tristezas, um aprendizado; da sede, um caminho de saciedade para a vida!
Não se esqueça: você é importante!
Leia também: "Liturgia do sofrimento"
REFERÊNCIAS:
MARQUES, Christopher; PARO, Thiago
Faccini. Quando a vontade de viver vai
embora. São Paulo: Paulus, 2019.
MENDONÇA, José Tolentino. Elogio da sede. São Paulo: Paulinas,
2018. (Coleção travessias)
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