-----Mês da bíblia 2024-----
EZEQUIEL: O SENTINELA DA ESPERANÇA
Luis Gustavo da Silva Joaquim
***
“Porei em vós meu Espírito, e
vivereis” (Ez 37, 14)
***
1.
DADOS BIOGRÁFICOS
a.
Filho de Buzi,
sacerdote.
b.
Data de
atividade profética: 593 a 571 a.C.
c.
Por volta de 593
a.C., Ezequiel recebe o chamado de Deus a ser profeta, sentinela da casa de
Israel.
d.
Seu anúncio
profético se dá com palavras, mas também com símbolos.
e.
É chamado pelo
nome apenas duas vezes: Ez 1, 2 e Ez 24, 24.
f.
É chamado de
“filho do homem”, o que indica sua dimensão criatural e pequena diante da
imensidão de Deus.
g.
Para ele, o
templo e a cidade eram os lugares da presença de Deus.
2.
CONTEXTO HISTÓRICO DO LIVRO DE EZEQUIEL
a.
O reino de Judá
é vassalo do reino da Babilônia desde 604 a.C. No ano de 601, o rei judeu
Joaquim se revoltou contra o rei da Babilônia, Nabucodonosor, que, por sua vez,
assediou a cidade de Jerusalém (capital de Judá). O rei então morreu, em 598,
devido ao assédio (2Rs 24, 1-2.6).
b.
Joiaquin (também
chamado de Jeconias), seu filho, é também o seu sucessor.
c.
Poucos meses do
início de seu governo, Joiaquin foi deportado para a Babilônia com parte da
população que pertencia aos grupos favorecidos, isto é, membros da corte,
sacerdotes etc. (2Rs 24, 10-12).
d.
Ezequiel foi
deportado junto com o povo de Judá, neste período: encontrava-se na Babilônia,
“terra dos caldeus, junto ao rio Cobar” (Ez 1, 1-3).
e.
Seu chamado se
deu no 5º ano do exílio do rei Joiaquin (ano de 590), portanto, em 593. Ele
tinha 30 anos.
f.
Nabucodonosor
colocou no trono de Jerusalém o rei Sedecias. Em 589, Sedecias organizou uma
revolta aos babilônios, o que gerou dois anos de assédio por parte dos
babilônios em Jerusalém até destruírem o templo,
saquear riquezas, destruir as aldeias de Judá, matar muitos judeus e deportar os
outros para o exílio na Babilônia; inclusive Sedecias foi exilado. Foram
deixados apenas os mais pobres (2Rs 25, 1-12).
g.
O ano de 587
marcou negativamente para o povo judeu: destruíram sua cidade santa e seu
templo, bem como a monarquia instaurada por Davi; as suas riquezas foram
perdidas e eles foram dominados pelo inimigo.
3.
ESTRUTURA DO LIVRO DE EZEQUIEL
a.
Sua finalidade é
chamar o povo infiel de Israel, que estava exilado, à mudança de vida profunda.
b.
O profeta dá
esperanças de melhoria mediante a sincera abertura de coração.
c.
O livro é
dividido em duas partes: até o capítulo 32, com palavras de ameaça e
condenação; a partir do capitulo 33 até o final, com chamado de mudança,
esperança e restauração.
·
OBS: dentro da primeira parte, os capítulos 1 a 14
são oráculos que julgam o povo eleito, ao passo que, os capítulos 15 a 32 são
oráculos que julgam os povos estrangeiros.
d.
Em esquema,
fica:
·
SEÇÃO I: c.
1-24: oráculos de juízo contra Judá e Jerusalém.
·
SEÇÃO II: c.
25-32: oráculos contra as nações.
·
SEÇÃO III: c.
33-48: oráculos de salvação para Israel.
4.
SUA MENSAGEM PROFÉTICA
a.
A glória do Senhor: é percebida pelos seres humanos nos seus efeitos.
Deus é infinitamente maior que o povo e sempre foi.
b.
O culto e a vida social: critica as hipocrisias das relações humanas.
Infidelidades dos israelitas para com a Lei do Senhor (Ez 5, 6-7). Jerusalém é
a “cidade sanguinária” (Ez 22, 2).
c.
Trata o pecado do povo como “abominação”: aquilo que é contrário à santidade de Deus (Ez 5,
11; 6, 11; 8, 6.13; 22, 11). Também “prostituição”, em sentido simbólico (Ez 6,
9; 16, 15; 17, 15). Os culpados são os líderes do poder político, os profetas,
os sacerdotes e os privilegiados do reino (Ez 22, 25-29).
d.
Israel, terra marcada pela infidelidade: O povo comete infidelidades na cidade e no
interior do santuário (Ez 8, 5-18). O povo se rebela constantemente contra o
Senhor, por isso, mereceria ser aniquilado (Ez 22, 13.21). Israel é a “casa
rebelde” (Ez 2, 3). Por conta dessa infidelidade, eles merecerão ficar exilado,
longe de sua terra. Ezequiel é, dentre os profetas, o mais duro no julgamento
divino.
e.
O livro que o profeta deve comer (Ez 3, 1-3): “O pergaminho não deve ser apenas lido, mas
ingerido; isso significa que o profeta deve assimilar profundamente a mensagem
da qual se fará portador. Se amargo, poderia ser o simples fato constatar a
rejeição sistemática; doce, para o profeta, é reconhecer a fidelidade e o amor
de Deus por seu povo rebelde”[ii].
QUESTÃO:
como dizemos ser o “profeta da esperança”, mediante
tanta profecia ruim?
Pois bem. Ezequiel
garante que Deus é fiel a si mesmo: “Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu
proceder convosco por amor do meu nome, e não segundo os vossos maus caminhos e
as vossas práticas corrompidas” (Ez 20, 44). Deus perdoará o povo e renovará
sua Aliança (Ez 16, 62). Contudo, será preciso acolher o que o profeta diz:
f.
Responsabilidade pessoal: a mentalidade israelita da época era de que os
pecados cometidos hoje acarretariam em culpa também para as gerações futuras.
Ezequiel profetiza contra isso, uma vez que, tal forma de pensar livraria a
responsabilidade pessoal do povo acerca de sua infidelidade. Sobre o provérbio
“os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados” (Ez 18,
2), ele diz: “por minha vida – oráculo do Senhor Deus – esse provérbio não
repetireis mais!” (Ez 18, 3). Ainda, “quem peca é que morrerá” (Ez 18, 4). Deus
quer justamente a conversão, o arrependimento e a mudança (Ez 18, 23).
g.
Ezequiel deve ser sentinela (Ez 3, 17; 33, 2): com coragem, anunciar a
conversão do povo.
h.
Promessas de restauração: Os capítulos 40 a 48 descrevem uma renovação do
templo e da cidade santa. Trata-se de uma palavra profética de esperança ao
povo que sofre. O profeta descreve sua visão acerca da reconstrução do templo
afim de que todo o povo retorne a sua casa. Deus assim, mantém a sua fidelidade
(Ex 43, 7).
i.
Tudo parte do templo: para o profeta, a restauração começará pelo templo
e seu culto ordenado (Ez 47, 13-23). Os inimigos de Deus serão derrotados e
Israel viverá em paz. (Ez 36, 25-27). Assim, os pastores infiéis que não
cuidaram do seu rebanho serão eliminados, porém, o próprio Deus conduzirá seu
povo fiel. “Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas” (Ez 34, 15).
j.
Eis a esperança:
o profeta anuncia uma visão da nova vida que o povo receberá. No exílio, ele vê
o povo sem esperança como que ossos secos. Ezequiel vê um vale de ossos
ressequidos e afirma que Deus, e somente ele, tem o poder de fazê-los reviver;
é o sopro da vida (Gn 2, 7) capaz de vivificar os seres para tornarem-se um
povo forte e robusto (Ez 37, 10). É uma verdadeira transformação interior na
vida de cada israelita: “tirarei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei
um coração de carne. Porei em vós o meu espírito...” (Ez 36, 25-27).
5.
OS OSSOS SECOS REVITALIZADOS
Este é o centro da
reflexão para este mês da bíblia de 2024: “Porei em vós meu Espírito, e
vivereis” (Ez 37, 14). Trata-se de um trecho dentro da perícope maior: Ex 37,
1-14, que contém o relato da visão dos ossos secos revitalizados.
Ezequiel, como em
qualquer profeta possui visões e ações simbólicas. Não podemos, portanto, tomar
sua leitura de modo fundamentalista. Inserido da realidade de exílio, vendo
seus compatriotas israelitas perderem a esperança do retorno à Terra Prometida,
foi através desta linguagem (simbólica) que Ezequiel encontrou jeito de ser o
sentinela da esperança. Ele anuncia que a condição atual tem tempo certo para
chegar ao fim.
Retomemos o texto
bíblico de Ez 37, 1-14: Junto ao rio Cobar (mesmo lugar que recebeu o seu
chamado profético), Ezequiel é conduzido pela mão do Senhor junto ao vale cheio
de ossos secos. É uma visão de morte, finitude e desolação. Há uma pergunta
retórica por parte de Deus: “estes ossos poderão reviver?” (v. 3). A resposta
do profeta é incerta: “tu o sabes”. Deus então garante três elementos aos ossos
secos: nervos, carne e pele. (OBS: a palavra “osso” aparece oito vezes no
texto).
Os nervos representam a
ligação de uns com os outros; a unidade. Rompe-se o isolamento. A carne é
expressão de força e vigor. Por fim, a pele reveste os ossos e os nervos,
garantindo-lhes a proteção. É, verdadeiramente, o Senhor quem nos une, nos
fortalece e nos protege! Contudo, ainda falta o espírito que dá vida. Então ele
profetiza, a mando o Senhor “vem, ó espírito, dos quatro ventos, e sopra sobre
estes mortos para que vivam” (v. 9). Esta é a garantia de Deus ao povo exilado.
Os versículos 12-14
funcionam como uma parábola: os israelitas devem sair dos sepulcros que é a
situação de exílio. Não se trata de ressurreição, mas de libertação,
restauração e retorno à Pátria. É, antes, um novo começo social. Retoma a ideia
do Êxodo de retorno (Ex 3, 7-8).
Os quatro ventos da
terra, de onde vem o sopro vital simbolizam a universalidade do espírito
divino; é a totalidade da terra.
Vento, sopro, espírito
são derivações do termo hebraico “ruah”.
Na criação, é a ruah que dá vida a
todos os seres (Gn 1, 2). A ruah que
suscita os juízes (Jz 3, 10; 6, 34; 11, 29). A ruah inspira os profetas (Nm 11,
17; 1Sm 10, 6.10; 2Rs 2, 9; Is 48, 16 etc.). Se os ossos reviveram, como afirma
o texto, significa que já estiveram vivos e, em determinado momento, perdeu a ruah. Contudo, pelo sopro divino,
retorna a sua condição natural. De pé é a posição de vida. Somente Deus é o
Senhor da vida: “é quem dá a morte e a vida, faz descer ao Xeol e de lá voltar”
(1Sm 2, 6).
A profecia de Ezequiel
se cumpriu: Ciro, rei da Pérsia, após conquistar a Babilônia em 538 a.C.,
permitiu que os exilados voltassem para sua Terra. Embora haja discussão
histórica sobre o modo como esse retorno aconteceu, o fato é que aconteceu. A
Profecia se realizou. A visão profética de Ezequiel é que existe um Deus da
vida!
Hoje
também olhamos para os nossos ossos secos e contatamos que são muitos e em
tantos lugares diferentes: são os povos indígenas expulsos de suas terras
ancestrais; são os negros que foram tirados da África, trazidos como escravos
ao Brasil e que nunca receberam uma reparação justa; são os migrantes que,
por causa de guerras, violências e fenômenos da natureza, são obrigados a
sair da sua pátria; são os desempregados que perderam seu trabalho; são os
sem-terra que sonham com um pedaço de chão e passam longos períodos em acampamentos
à beira das estradas; são as pessoas que não têm casa para morar; as imensas
favelas nas periferias das grandes cidades; os jovens pobres que não
conseguem visualizar um horizonte de esperança; as mulheres que sofrem com
feminicídio; os trabalhadores resgatados em regime de escravidão nas fazendas
ou vinícolas... A lista é enorme! (Texto
base, p. 51) |
6.
PARA PENSAR: QUESTÕES PESSOAIS E PASTORAIS
a.
A partir da
denúncia de infidelidade ao culto, feita por Ezequiel, qual o tipo de relação
que temos com o templo, isto é, a igreja? Será que participamos ativa e
conscientemente como deveríamos participar das nossas celebrações litúrgicas?
b.
Quando estamos
em tempo de desânimo pessoal, pastoral, familiar etc., qual é a nossa postura
diante da vida? Será que nos falta a esperança em um Deus que é capaz de, na
sua fidelidade, revitalizar os nossos ossos secos?
c.
Para uma
verdadeira conversão, é preciso que assumamos as nossas culpas. Quantas vezes
justificamos o motivo das nossas falhas nos outros?
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BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL:
CNBB; Comissão Episcopal para a Animação
Bíblico-catequética. Livro de Ezequiel:
texto-base. (Mês da bíblia 2024). Brasília: Edições CNBB, 2024. 72p.
CENTRO BÍBLICO VERBO. Restauração da monarquia davídica e da Terra de Israel: entendendo
o livro de Ezequiel. São Paulo: Paulus, 2024.
NOTAS
IMPORTANTES:
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